sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Fragmentos ricos como a natureza amazônica



Acabei de ler o livro A Cidade Ilhada, de Milton Hatoum, lançado em fevereiro deste ano pela Companhia das Letras. O livro reúne 14 contos, dos quais seis são inéditos. Os outros foram publicados em jornais, revistas e coletâneas no Brasil e/ou no exterior.

Os contos de Milton Hatoum são ambientados em diferentes cidades, Paris, Barcelona, Berkeley, Rio de Janeiro... Mas é em Manaus e em toda a região amazônica que a maioria de seus diversificados personagens vivenciam suas tramas. Devido a isso, Hatoum nos passa detalhes da magnitude, riqueza e singularidade da Amazônia, e de forma muito sensível e humana. É um olhar genuinamente amazonense, que entende a dinâmica de sua terra natal, diferente do olhar de fora, que muitas vezes se perde em estereótipos e clichês dessa região ainda misteriosa e mística para tantos (inclusive para mim).

Com essa percepção humana, Milton Hatoum escreveu este trecho em um dos contos:

“... [Eu] divagava. E já não era jovem. A gente sente isso quando as complicações se somam, as respostas se esquivam das perguntas. Coisas ruins insinuavam-se, escondidas atrás da porta. As gandaias, os gozos de não ter fim, aquele arrojo dissipador, tudo vai se esvaindo. E a aspereza de cada ato da vida surge como um cacto, ou planta sem perfume. Alguém que olha pra trás e toma um susto: a juventude passou.”

Eu podia ter pego vários outros trechos exemplares do conhecimento regional do autor. No entanto, reproduzi esse – que não fala dos rios e florestas da Amazônia – mas sim da brevidade da juventude de forma que me faz ter medo de talvez perder a oportunidade de viver minha fase jovem “como se deve”, e daqui a pouco tomar um susto e repetir: minha juventude passou. Mas será mesmo que se tem uma regra, um modelo único para isso?? Acho que todos da minha idade vivem com esse impasse.

Para se pensar ou tomar conhecimento sobre várias outras questões, A Cidade Ilhada se faz ideal. Enxuta e direta, porém rica, a narrativa de Milton Hatoum faz dos fragmentos do cotidiano pílulas de reflexão e poesia ricas como a natureza da nossa Amazônia.


Foto de Milton Hatoum - Divulgação

2 comentários:

Saulo Cruz disse...

O Woody Allen conta uma piadinha, me lembrou isso agora. Duas senhoras entram em uma lanchonete. E pedem o prato do dia. "Poxa, que comida horrível!", uma dela fala, na primeira colheirada. "E ainda vem tão pouco..." e aí ele fala, essa piada resume como me sinto em relação à vida...

Leandra Lima disse...

Hahaha, posso dizer que às vezes encaro a vida da mesma forma.